CEO de mineradora de lítio no Vale do Jequitinhonha chama crianças da região de 'mulas de água' e gera onda de repúdio
Sigma Lithium atua nos municípios de Araçuaí e Itinga Divulgação/Sigma Lithium Uma onda de manifestações de repúdio surgiu entre prefeituras, dioceses e...
Sigma Lithium atua nos municípios de Araçuaí e Itinga Divulgação/Sigma Lithium Uma onda de manifestações de repúdio surgiu entre prefeituras, dioceses e entidades do Vale do Jequitinhonha, nesta terça-feira (18), depois da repercussão da entrevista da CEO de uma mineradora de lítio que se referiu à população como 'mulas de água' e 'perdidos do Vale'. A declarações foram feitas durante a COP30, em Belém. Ana Cabral, que também é copresidente da empresa em Araçuaí, era entrevistada pelo programa Fast Money, do canal Times Brasil, quando afirmou que a Sigma Lithium teria resgatado uma geração perdida da região, que não teve acesso à educação. 📲 Clique aqui para seguir o canal do g1 Vales no WhatsApp Ela disse que a empresa abriu quatro escolas e retirou do cultivo de bananas, trabalhadores sem estudos, e que passaram a infância vivendo como 'mulas de água' - carregadores de água em um recipiente na cabeça - para serem capacitadas para atuar na planta da mineradora. "Nós treinamos aquela geração perdida do Vale, que eram 'mulas de água'. Elas passavam o dia, não tinha aula, carregando água da cisterna pública para casa, da casa para a cisterna pública [...] e essas crianças não foram educadas, foram trabalhar num bananal. Nós pegamos a mão de obra do bananal e treinamos para serem operadoras de planta. Então, 43 operadores da planta, dos 200 que nós temos, são ex-mulas de água. Olha que lindo!" Essa não foi a primeira vez que ela utilizou o termo: em agosto deste ano, a fala já havia sido dita em um discurso na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), quando a CEO recebeu o título de Cidadã Honorária do Estado. "As crianças lá do Vale, em 1998, ficavam levando lata d'água na cabeça para as suas casas. Eram mulas de água, era uma geração perdida que não ia para a escola". CEO recebeu título de Cidadã Honorária do Estado na ALMG, em agosto deste ano Reprodução Repúdio de autoridades e instituições A Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB divulgou nota afirmando que as palavras da CEO “ferem a verdade, humilham o povo e revelam profundo desprezo pela região”, além de difamar “um povo trabalhador e resiliente”. A comissão exigiu retratação imediata. O bispo da Diocese de Araçuaí, Dom Geraldo dos Reis Maia, também condenou a fala e cobrou esclarecimentos sobre a atuação social da empresa, citando inclusive o processo de paralisação da Sigma que, segundo ele, gerou desemprego na região. A Sigma Lithium, que atua nos municípios do Vale do Jequitinhonha, empregando cerca de 1.600 pessoas, promove-se como uma empresa de tecnologia verde, com foco em “lítio quinto zero” — conceito que inclui zero barragem de rejeito e uso integral de energia limpa. No entanto, as declarações da CEO reforçaram tensões já existentes entre a mineradora e moradores da região. Prefeituras também se manifestaram Veja os vídeos que estão em alta no g1 O prefeito Tadeu Barbosa, de Araçuaí, afirmou que a imagem evocada pela CEO “pertence a um passado distante” e é “inexistente nos dias atuais”. Já em Itinga, o prefeito João Bosco classificou a fala como incompatível com respeito e dignidade e ressaltou que o povo local é “trabalhador e resiliente”. A prefeitura de Virgem da Lapa também se manifestou, a gestão municipal disse que a expressão “mulas de água” jamais fez parte da identidade regional e que a “geração perdida” citada pela CEO é, na verdade, “a que mais estudou”. As três prefeituras contestaram três pontos centrais da narrativa de Ana Cabral: Educação e acesso à água: Araçuaí destacou que as taxas de escolarização entre crianças de 6 a 14 anos superam 97% e que não há registros de menores que tenham deixado de estudar para carregar água. Escolas: Tanto Araçuaí quanto Itinga negaram que a Sigma tenha “aberto” escolas. Segundo as prefeituras, toda a infraestrutura existente resulta de investimentos públicos, e a empresa participou apenas de reformas pontuais em duas unidades escolares. Bananicultura: Produtores repudiaram a insinuação de trabalho infantil. A CEO da FBL Agricultura e Pecuária, em um vídeo publicado nas redes sociais, afirmou que “aqui nunca existiu trabalho infantil”, e dados oficiais mostram que a bananicultura movimenta mais de R$ 33 milhões por ano, sendo um dos motores econômicos da região e gerando riqueza por hectare muito superior a outras culturas. O g1 entrou em contato com a empresa Sigma Lithium para cobrar um posicionamento sobre o assunto mas, até a última atualização desta reportagem, não obteve retorno. Vídeos do Leste e Nordeste de Minas Gerais Veja outras notícias da região em g1 Vales de Minas Gerais.